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sábado, 6 de fevereiro de 2016

Até quando os mestres e professores vão se submeter à ignomínia

Marcus Rezende


Com tanto dinheiro público jorrando nos cofres da CBTKD, fica fácil para quem comanda entidade, pôr nas mãos a maioria absoluta dos presidentes das federações. Pra reinar absoluto, o chefe precisa do apoio incondicional de pelo menos 14 deles.  Dessa forma, com tanto cargo remunerado com dinheiro público, podemos afirmar sem erro que essa não é a maior preocupação do Rei.

Além dos cargos remunerados, há para o deleite financeiro dos apoiadores do chefe,  a promessa dos investimentos que a entidade mãe pode fazer às  filiadas. Como exemplo, temos o apoio às competições abertas, chanceladas pela CBTKD, e que valem pontos no ranking nacional. A pergunta é: para onde vai a grana das inscrições destas competições?

  O preâmbulo acima serve para que os faixas-pretas deste país comecem a perceber que se tornaram  peças descartáveis deste jogo. Os mestres e professores  só perdem quando começam a estimular seus praticantes a se tornarem atletas.  

Não vou enumerar aqui o quanto de prejuízo tal investimento acarreta; cada formador de atleta sabe muito bem o custo-benefício em se doar para dar as bases competitivas ao praticante. Muitas vezes, depois de anos de desgastes, a ficha daquele praticante seduzido a virar atleta cai e ele percebe o futuro incerto que o taekwondo de alto rendimento pode lhe proporcionar. Uns nem chegam a decolar, pois abandonam o jogo, logo que descobrem quão despreparados são os dirigentes do taekwnondo brasileiro.

Há mestres, hoje, que relatam se arrependerem de terem influenciado alguns praticantes a se tornarem atletas. Isso porque, muitos abandonaram os estudos e se dedicaram integralmente ao treinamento e à busca de uma vaga na seleta Equipe Olímpica do Brasil.

Mesmo recebendo uns caraminguás, alguns atletas acabam acreditando que a vida dura (de treinamentos diários) trará a ele o merecido reconhecimento no futuro. Ledo engano. Depois que a carreira acaba, nem  tapinha nas costas ele recebe.

Quero, todavia, deixar claro que em qualquer país desenvolvido, a entrega de um atleta ao mundo competitivo vale a pena.  Lá fora, pra começo de conversa,  não há chances para a mediocridade administrativa.  Assim sendo, os atletas,  possuem a certeza de que à frente de suas entidades estão pessoas preparadas.

  Aqui, é tudo estranho e bem diferente. Talvez  tenhamos dirigentes que sobrevivam  financeiramente das entidades que comandam. O cerco  lucrativo passa também pelo momento em que o formador (mestre ou professor) precisa levar ao primeiro Dan o atleta que está treinando, para que ele possa lutar como um faixa preta.

Nesse momento, eis que pode aparecer a figura do presidente dizendo que o atleta só pode lutar no circuito olímpico brasileiro se fizer exame de faixa preta com a banca examinadora que a entidade definir. Nessa hora, a federação pode decidir que o mestre examinador, coincidentemente será o presidente da entidade, em  razão da graduação que possui. E, aí, o postulante à faixa-preta (que tem o sonho olímpico) terá de pagar a taxa de exame a este examinador. É muito comovente!!!

  Portanto, mestres  professores de taekwondo deste Brasil, enquanto este tipo de dirigente estiver dirigindo a federação do seu estado, não leve seus praticantes às competições organizadas por elas. Ensine as bases do taekwondo marcial e do competitivo, naturalmente.
Não se intimide com ameaças destes dirigentes. A lei te protege. Eles não são donos do taekwondo. Eles são donos da federação que comandam. 
Passe a cuidar de sua academia. Crie o certificado de sua escola. Ao faixa-preta, encontre meios de registrá-lo em entidades internacionais reconhecidas, como a Kukkiwon.

Não é função de federação e confederação graduar praticantes de taekwondo. Por acaso a WTF entrega certificado de faixa-preta?  Apenas pede  que o faixa preta comprove a graduação por meio de certificação de entidades como a Kukkiwon.
Experimente levar a sua carteirinha da CBTKD a uma competição aberta chancelada pela WTF e tente se inscrever. 

Há de chegar o dia em que a CBTKD terá um presidente digno de respeito. Alguém que terá a coragem de chegar ao pé do ouvido de cada dirigente estadual e dizer a ele: "vamos consertar tudo isso; está tudo errado". E complementar humildemente que não é correto o que vem sendo feito com os mestres e professores deste país.


Quando esse dia chegar, voltemos a nos filiar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Quem são os reis da cocada preta no taekwondo brasileiro?

Marcus Rezende


Para entender por que os presidentes de federações acreditam hoje serem os donos do taekwondo nos estados é preciso voltar no tempo e relembrar como todo esse processo se deu. Entre tantos fatores, um deles é marcado pela unidade marcial entre discípulos e respectivos mestres coreanos por cujas mãos foram sendo criadas as primeiras entidades de administração.
Em meados dos anos de 1970, de forma a dar uma cara organizacional desportiva à arte marcial que já se apresentava como esporte (após a fundação da Federação Mundial de Taekwondo), os mestres coreanos do Brasil trataram de se associar à Confederação Brasileira de Pugilismo no intuito de legalizarem as próprias competições estaduais e nacionais de taekwondo.
Quem deu início a todo esse processo foram os mestres Wo Jae Lee e Jung Roul Kim, do Rio de Janeiro. No entanto, foi JRKim quem, posteriormente, deu o primeiro passo à formação do que viria a ser mais tarde a CBTKD. Mesmo com todas as dificuldades inerentes à língua portuguesa, o mestre, com boa base superior educacional e formado em Engenharia Eletrônica, estudou a legislação desportiva do Brasil e preparou o estatuto da primeira federação estadual em 1982: a do Rio de Janeiro.
Em seguida, o modelo foi entregue aos coreanos dos outros estados, para que fizessem o mesmo. Dessa forma, estando as federações em mãos de quem possuía o pleno comando da arte marcial em cada estado, não havia como o praticante não se tornar parte integrante das entidades.
Sendo assim, a partir de 1982, todo o praticante matriculado em uma academia estaria direta ou indiretamente ligado ao mestre coreano daquele estado. Este aluno, ao realizar o primeiro exame de faixa, se via praticamente obrigado a se filiar à respectiva federação comandada pelo mestre coreano. Isso, ao longo da história, acabou se tornando absolutamente normal e poucos questionavam a legalidade de tal ação.
Entretanto, quando algum professor brasileiro decidia não registrar mais seus alunos à federação do estado a que pertencia, passava a ser considerado um “pecador”. O taekwondo que ele ensinava tornava-se uma espécie de taekwondo clandestino.
No Rio de Janeiro, no entanto, isso se dava de forma um pouco diferente; somente os alunos da Escola Moo Duk Kwan, do mestre Jung Roul Kim (que comandava a federação do Rio) eram “obrigados” a registrar-se à federação.
Os mestres Yong Min Kim (que passou a comandar a CBTKD), Nam Ho Lee (que ensinava no Bairro do Meier) e Shin Hwa Lee (com academia na Tijuca), não registravam todos os alunos. Só o faziam no interesse de disputar as competições estaduais organizadas pela entidade. O mestre Jung Roul Kim nunca ligou muito pra isso. Sempre os deixou bem à vontade. Aos compatriotas, a pecha de clandestino não cabia; ela só servia aos brasileiros que decidiam se desvincular das federações.
E essa prática se tornou tão comum ao longo dos anos, que os presidentes das federações passaram a entender isso como uma obrigatoriedade legal, desconsiderando o que reza a Constituição Federal, cujo artigo V, inciso XX, especifica que ninguém é obrigado a se filiar ou manter-se filiado a qualquer entidade de administração desportiva.
`Portanto, baseado na constituição, qualquer faixa preta pode abrir uma Escola de taekwondo em qualquer lugar do Brasil e ensinar a arte marcial coreana sem dar a mínima bola a qualquer federação que seja. Pode também, por meios diversos, buscar graduação e registro internacional em entidade de reconhecimento mundial e também registrar seus alunos. Pode criar o certificado da própria Escola no intuito de documentar a graduação dos alunos. E pode ainda, a partir do momento que tenha o registro em órgão reconhecido pela WTF (como a Kukkiwon), requisitar registro à federação estadual ligada à CBTKD, nos casos em que achar necessário.
É a lógica: “Quem pode mais, pode menos”.
Obviamente, que por estes meios, as entidades acostumadas com a centralização do taekwondo do estado, ainda procuram criar enormes dificuldades para impedir o acesso deste aluno com certificação internacional. Porém, tais impedimentos não se sustentam perante a lei, cabendo processo e até indenização por tentativa de impedimento do atleta ao sistema olímpico.
Ainda hoje, em alguns estados, alguns dirigentes ainda não conseguiram entender que uma federação é tão somente uma pessoa jurídica de direito privado para cuja manutenção legal há de cumprir certas exigências estabelecidas pela lei desportiva. Porém, uma federação de taekwondo só existe porque a modalidade já existia antes com os respectivos professores e porque três associações se reuniram para criá-la.
Ou seja, grosso modo, fazendo uma analogia, as federações são filhas das associações e netas dos praticantes associados.
Não pode a federação, por mais organizada que seja, achar que é a dona da cocada preta. A cocada preta pertence aos mestres, professores e praticantes, os quais possuem a liberdade de escolher se querem ou não fazer parte do sistema federativo e confederativo.

Portanto, já está mais do que na hora, para o bem do taekwondo brasileiro, que as federações se reconheçam como aquela que precisa do praticante e não o contrário.