Marcus Rezende
Para entender por
que os presidentes de federações acreditam hoje serem os donos do
taekwondo nos estados é preciso voltar no tempo e relembrar como
todo esse processo se deu. Entre tantos fatores, um deles é marcado
pela unidade marcial entre discípulos e respectivos mestres
coreanos por cujas mãos foram sendo criadas as primeiras entidades
de administração.
Em meados dos
anos de 1970, de forma a dar uma cara organizacional desportiva à
arte marcial que já se apresentava como esporte (após a fundação
da Federação Mundial de Taekwondo), os mestres coreanos do Brasil
trataram de se associar à Confederação Brasileira de Pugilismo no
intuito de legalizarem as próprias competições estaduais e
nacionais de taekwondo.
Quem deu início
a todo esse processo foram os mestres Wo Jae Lee e Jung Roul Kim, do
Rio de Janeiro. No entanto, foi JRKim quem, posteriormente, deu o
primeiro passo à formação do que viria a ser mais tarde a CBTKD.
Mesmo com todas as dificuldades inerentes à língua portuguesa, o
mestre, com boa base superior educacional e formado em Engenharia
Eletrônica, estudou a legislação desportiva do Brasil e preparou o
estatuto da primeira federação estadual em 1982: a do Rio de
Janeiro.
Em seguida, o
modelo foi entregue aos coreanos dos outros estados, para que
fizessem o mesmo. Dessa forma, estando as federações em mãos de
quem possuía o pleno comando da arte marcial em cada estado, não
havia como o praticante não se tornar parte integrante das
entidades.
Sendo assim, a
partir de 1982, todo o praticante matriculado em uma academia estaria
direta ou indiretamente ligado ao mestre coreano daquele estado.
Este aluno, ao realizar o primeiro exame de faixa, se via
praticamente obrigado a se filiar à respectiva federação comandada
pelo mestre coreano. Isso, ao longo da história, acabou se tornando
absolutamente normal e poucos questionavam a legalidade de tal ação.
Entretanto, quando
algum professor brasileiro decidia não registrar mais seus alunos à
federação do estado a que pertencia, passava a ser considerado um
“pecador”. O taekwondo que ele ensinava tornava-se uma espécie
de taekwondo clandestino.
No Rio de
Janeiro, no entanto, isso se dava de forma um pouco diferente;
somente os alunos da Escola Moo Duk Kwan, do mestre Jung Roul Kim
(que comandava a federação do Rio) eram “obrigados” a
registrar-se à federação.
Os mestres Yong
Min Kim (que passou a comandar a CBTKD), Nam Ho Lee (que ensinava no
Bairro do Meier) e Shin Hwa Lee (com academia na Tijuca), não
registravam todos os alunos. Só o faziam no interesse de disputar as
competições estaduais organizadas pela entidade. O mestre Jung Roul
Kim nunca ligou muito pra isso. Sempre os deixou bem à vontade. Aos
compatriotas, a pecha de clandestino não cabia; ela só servia aos
brasileiros que decidiam se desvincular das federações.
E essa prática
se tornou tão comum ao longo dos anos, que os presidentes das
federações passaram a entender isso como uma obrigatoriedade legal,
desconsiderando o que reza a Constituição Federal, cujo artigo V,
inciso XX, especifica que ninguém é obrigado a se filiar ou
manter-se filiado a qualquer entidade de administração desportiva.
`Portanto,
baseado na constituição, qualquer faixa preta pode abrir uma Escola
de taekwondo em qualquer lugar do Brasil e ensinar a arte marcial
coreana sem dar a mínima bola a qualquer federação que seja. Pode
também, por meios diversos, buscar graduação e registro
internacional em entidade de reconhecimento mundial e também
registrar seus alunos. Pode criar o certificado da própria Escola no
intuito de documentar a graduação dos alunos. E pode ainda, a
partir do momento que tenha o registro em órgão reconhecido pela
WTF (como a Kukkiwon), requisitar registro à federação estadual
ligada à CBTKD, nos casos em que achar necessário.
É a lógica: “Quem
pode mais, pode menos”.
Obviamente, que
por estes meios, as entidades acostumadas com a centralização do
taekwondo do estado, ainda procuram criar enormes dificuldades para
impedir o acesso deste aluno com certificação internacional. Porém,
tais impedimentos não se sustentam perante a lei, cabendo processo e
até indenização por tentativa de impedimento do atleta ao sistema
olímpico.
Ainda hoje, em
alguns estados, alguns dirigentes ainda não conseguiram entender que
uma federação é tão somente uma pessoa jurídica de direito
privado para cuja manutenção legal há de cumprir certas exigências
estabelecidas pela lei desportiva. Porém, uma federação de
taekwondo só existe porque a modalidade já existia antes com os
respectivos professores e porque três associações se reuniram para
criá-la.
Ou seja, grosso modo, fazendo uma analogia, as federações são filhas das associações
e netas dos praticantes associados.
Não pode a
federação, por mais organizada que seja, achar que é a dona da
cocada preta. A cocada preta pertence aos mestres, professores e
praticantes, os quais possuem a liberdade de escolher se querem ou
não fazer parte do sistema federativo e confederativo.
Portanto, já
está mais do que na hora, para o bem do taekwondo brasileiro, que as
federações se reconheçam como aquela que precisa do praticante e
não o contrário.